DIREITOS HUMANOS PARA TODAS E TODOS: DEMOCRACIA, JUSTIÇA E IGUALDADE

5 de October de 2020 0 By Ariosto Braga


Falar sobre Direitos Humanos, por si só, já é o suficiente para levantar polêmicas e antipatias daqueles que se julgam “mais iguais” que os que falam, e, portanto, com “mais direitos a ter direitos” e principalmente a serem os verdadeiros “beneficiários dos direitos humanos”. Em outras palavras, falar de direitos humanos é desafiar aqueles que pregam que “os direitos humanos são para proteger bandidos” e que “direitos humanos são apenas para os humanos direitos”.


Tais afirmativas, sem dúvida, não condizem com a verdade, sendo até mesmo inadmissível que em pleno século XXI ainda sejamos obrigados a enfrentar trogloditas do direito que assim se manifestam, em busca de um retrocesso sem par na história da humanidade.


Então, se falar de direitos humanos, apenas, já causa tanto estardalhaço, que dirá associá-lo à democracia, à justiça e à igualdade, tripé de sustentação do que pleonasticamente poder-se-ia chamar de “Direitos Humanos para Todas e Todos”? Este, minhas senhoras e meus senhores, é o desafio que me foi dado enfrentar, pela honra que tive em aceitar o convite da ilustre e digna Secretária Goreth Garcia Ribeiro, da Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Direitos Humanos, em conjunto com o Conselho Municipal dos Direitos Humanos.


E dando início a esse desafio, afirmamos, de plano, o que não é novidade àqueles que militam nesta seara, de que é a democracia o regime político que melhor protege e promove os direitos humanos, entendida esta como o regime político fundado na soberania popular e na separação de poderes, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, tudo para que se construa uma sociedade livre, justa e solidária, com objetivos de garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Já o conceito de Justiça, por sua vez, tem origem no termo latino iustitia, significando a constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido. Refere-se ainda ao Poder Judicial e ao castigo público, ou seja, à pena a que se condena o infrator das leis. Como define Hobbes em seu Leviatã, “Para que as palavras justo e injusto possam ter lugar, é necessária alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento dos seus pactos”.

Assim, exerce a justiça uma função mantenedora do Estado, não sendo possível a existência deste sem o respeito às suas leis. E não se pode admitir, pelos modelos que temos, a simples extinção do Estado pelo descumprimento de seus pactos, pois com isso vivenciaríamos a guerra de todos contra todos, retornando-se ao estado selvagem. Para que isso não ocorra, deve o Estado manter o seu poder de coerção capaz de possibilitar a efetivação da justiça, conforme afirma Hobbes, “mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto” (Hobbes, Leviatã, 2003, p. 124).


No que diz respeito à igualdade, pende esta, desde Platão e Aristóteles, por tratar-se de modo desigual os desiguais, na mesma proporção em que se desigualam, com previsão expressa na nossa Constituição Federal, que, em seu art. 5o, caput, assegura que “todos são iguais perante a lei”, e no mesmo artigo, inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.


Mas, como se pode perceber, a igualdade assegura em si própria o direito à diferença, uma vez que esse tratamento desigual disposto na Carta Magna encontra seu fundamento de validade exatamente quando aplicado em benefício dos menos favorecidos, como, por exemplo, a concessão de direito e vantagens para idosos, crianças, portadores de deficiência, etc.
O direito de igualdade, portanto, é formal, uma vez que é da essência humana a diferença, razão por que devem ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na mesma proporção em que se desigualam.
Assim, o eixo central dos direitos humanos para todas e todos está exatamente na promoção, construção e consolidação da igualdade. Ora, estando a igualdade em construção, são as ações práticas, do dia a dia, que vão fazer a diferença para a efetiva garantia dos direitos humanos.

Portanto, devemos acima de tudo aceitar as diferenças em nossas ações e confrontos diários como lição primária da efetividade dos direitos humanos para todas e todos. Esse é, hoje, o grande desafio dos direitos humanos, sendo necessário que o Estado junto com a sociedade civil, exercitando a democracia e a justiça social, promovam por meio de políticas públicas a garantia da igualdade.


Neste ponto, peço vênia desta Conferência para relatar, aqui, a experiência vivida pelo padre Fábio de Melo, que tirou uma foto com a travesti Luana Muniz, admiradora do sacerdote, durante o aniversário da cantora Alcione, que aconteceu no final de novembro na quadra da Mangueira no Rio.


Conforme relata o padre em vídeo disponível no Youtube, deparou-se o mesmo com o seu preconceito, com o medo de se expor, como se fosse melhor, ao ser abordado pelo travesti, com vestido longo, que de imediato lhe perguntou: “O senhor costuma tirar fotos com pecadoras?” Percebendo o religioso que havia uma ironia ali, de imediato respondeu, “mas é claro”, permitindo que lhe fosse tirada a foto abraçado ao travesti, que, com os olhos emocionados, disse: “eu não acredito que o senhor permitiu”.


Logo após a saída do travesti, soube o padre pela irmã da cantora Alcione que ele mora na Lapa e criou um grupo que alimenta e recolhe todos os miseráveis daquela região. Ele dá banho, alimenta, não tem nojo de ninguém. E faz de tudo para aquela pessoa retornar à vida, tornando-se, ainda, uma espécie de vigilante, protegendo os moradores…


Quando tomou conhecimento disso, declarou o padre, sentindo- se como quem leva um tapa na cara:

“Aquele que você enxerga e que, naturalmente, provoca um desconforto por ser tão diferente de nós, não sabemos quantas coroas da dignidade foram recolocadas na vida daquela pessoa quando ele alimenta o próximo. Você é cristão e nem sempre está disposto a cuidar de quem está doente, colocar dentro da sua casa e dar de comer”.


E prossegue o padre Fábio de Melo: “Não cabe nenhum julgamento do lado de lá, cabe aqui. Quando Deus coloca essas pessoas diante de nós, é para desmoronar os castelos de ilusão que criamos dentro. Como se o nosso cristianismo tivesse pronto. Como se nós já tivéssemos chegado ao último estágio dessa santidade que Deus nos convida. Não, eu ainda me envergonho dos que são diferentes de mim. Eu ainda tenho medo de ir ao encontro daqueles que precisam de mim. E a palavra de Paulo é dura: a missão de vocês é junto daqueles que estão necessitados”.

Independentemente da liberdade de crença assegurada pela carta Magna, eis aqui, minhas senhoras e meus senhores, na essência da experiência vivida pelo padre Fábio de Melo, o ponto crucial dos Direitos Humanos para Todas e Todos.


Com efeito, já no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 destacam-se três valores a serem perseguidos pela humanidade:


1o) A Liberdade; 2o) A Justiça; 3o) A Paz.


Ora, como atingir esses valores sem aceitar as diferenças e sem respeitar as minorias?


Onde esconder nosso lixo, nossa podridão e nossas injustiças?
Como ser livres, quando se prega a redução da maioridade penal com nossas cadeias lotadas de problemas e nossas escolas vazias de ensinamento?

Como ter justiça, se as leis e os tribunais ainda não absorveram que os pobres são diferentes e como diferentes devem ser tratados?
Como viver em paz, sem moradia, sem transporte e com tanta fome e injustiça?


Como ser feliz, vivendo em uma ilha maravilhosa cercada de pobreza por todos os lados?


Ora, minhas senhoras e meus senhores, como se pode concluir, não há como nossa sociedade se desvencilhar de todos esses problemas, e longe deste palestrante achar que temos poder para tanto.


Não.


O que almejamos, isto sim, é que estejamos sempre unidos em respeito à dignidade da pessoa humana, buscando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e promovendo o bem comum, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Parafraseando o apóstolo Paulo, a missão de todos nós é junto daqueles que estão necessitados.


Que prevaleçam, portanto, os direitos humanos, para todas e todos, com democracia, justiça e igualdade.


Viva os Direitos Humanos! Viva o Amazonas!
Viva Manaus!


Muito obrigado.


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Ariosto Lopes Braga Neto
“Todos os direitos humanos para todos”